A Maior das Dores – O Chamado

Nós, que não suportamos uma existência negligente, distante daquilo que realmente somos e do que devemos fazer, precisamos da completa escuridão, da noite escura da alma. Sentimos a completa perda de identificação com todas as nossas amarras, fautoras de tantas alegrias e dores passadas. Um cansaço obscurece todos esses antigos afazeres, e uma revolta tende a germinar. Um mundo inteiro despedaça, restando apenas aquele que sempre o experienciou mecanicamente, pois a fascinação é inimiga da consciência. Percebemos que quase tudo o que fizemos foi em vão, pois pouco permaneceu. Pessoas que nutríamos com tanto afeto se foram; conversas que geravam tanta alegria foram esquecidas – e essa alegria, também. Nada escapa do eterno devir.

“As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores:
umas, os ventos atiram ao solo sem vida; outras brotam
na primavera, de novo, por toda a floresta viçosa.
Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira.”

Ilíada, Canto VI, verso 140

É doloroso não conseguir se enxergar em nada; é doloroso estar só. Tantas dúvidas possuímos, e cada vez mais somos consumidos pela morte. Minha imensa insatisfação me obrigou a olhar para a origem das minhas dores, entrar nessa caverna sombria e defrontar meus demônios.

Sim, foi quando a vida perdeu o seu encanto sobre mim que tive disposição de buscar o meu propósito. Olhe para si mesmo: você, impelido pela sua alma, caso atordoada, por quão sombria se tornou essa realidade enevoada, repete os meus passos. Somos irmãos e buscamos o mesmo. A sensibilidade preenche o seu espírito, pois poucos são capazes de sentir algo além da miséria ordinária. Também digo que a coragem é sua companheira, pois, cansado de contemplar e ansiando seu protagonismo, procura a resposta para todas as dores em si mesmo. Deixe o outono passar e permita o completo recolhimento hibernal. Quando as cores sumirem e a vida morrer, sentirá o vigor que há dentro de si e trará para o mundo a luz e o calor.

Nada, em toda a vastidão universal, te realizará. Todos os prazeres de ontem são fautores das dores de hoje. Somente o domínio da mente traz a abundante prosperidade, que é apenas indicadora do vigor de seu detentor.

“A existência e a inexistência geram-se uma pela outra.

O difícil e o fácil completam-se um ao outro.

O longo e o curto estabelecem-se um pelo outro.

O alto e o baixo inclinam-se um pelo outro.

O som e a tonalidade são juntos um com o outro.

O antes e o depois seguem-se um ao outro”

— Tao Te Ching, capítulo 2

Permita a queda de todas as suas mentiras, sem mais nenhuma pretensão de saber alguma coisa. Abra-se para uma profunda sinceridade. Investigue friamente a razão de todas as suas ações, os fatores inconscientes que as influenciam. Saiba que esse conteúdo, bem como qualquer outro, é apenas um indicador de um trabalho que deve ser feito em você e por você mesmo. Os próximos tópicos e artigos são apenas fatores que te ajudarão nesse trabalho.

A Ilusão e a Providência

Nenhum livro me foi tão oportuno quanto o Enchiridion de Epicteto. A simplicidade desse manual me expôs coisas tão óbvias que eu era incapaz de perceber. Entendi que a mente é a criadora de todos os infortúnios e como é simples, um passe de mágica, esmagar todos eles. Claro, digo que a compreensão é simples, mas a aplicação exige inesgotável disciplina e diligência. Não me limitei aos estoicos, pois percebi rapidamente a existência de um padrão nos ensinamentos de muitas tradições espirituais.

O Padrão Ético de Todas as Religiões – Conhecimento do Bem e do Mal

Todas as nossas ações carregam ideais, que são as métricas da eficácia do que fazemos. A ação ruim é aquela distante do nosso ideal; a boa ação é a que mais se aproxima. Todas as religiões visam religar o homem aos princípios, aos aspectos perenes da realidade, que chamamos de Deus. Esse é o ideal de todas as ações humanas, pois Deus é a perfeição. Como o homem pode atingir a plenitude da própria natureza a ignorando, isto é, ignorando Deus?

Os homens distantes dessa fonte de poder são degenerados, homens sem espírito, homens fracos. Todas as religiões, apesar de todas as suas diferenças superficiais, são sistemas que apontam para uma única verdade, que liberta o homem de todos os seus vícios e desenvolve o seu poder, seu alinhamento com o logos.

Não falo de algo despersonalizante, mas emancipador do indivíduo, que compreende sua verdadeira natureza. É impossível agir sem considerar o próprio bem, seja ele uma ilusão ou não. O indivíduo obediente à ordem universal obtém a sagrada sabedoria de si mesmo, pois entende verdadeiramente o bem e o mal. Não existe diferença entre a piedade e o orgulho.

Confiança na providência – A Ação

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